sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

5. Parabéns São Paulo








Um presente para São Paulo, artigo de Washington Novaes


Washington Novaes é jornalista especialista em Meio Ambiente. Artigo publicado no “Estado de SP”:

Seria oportuno se São Paulo aproveitasse a passagem do 454º aniversário para convocar a cidade a participar de uma grande discussão sobre seus rumos - e em seguida transformasse as conclusões em plataformas públicas. Já não seria sem tempo, diante da gravidade dos problemas acumulados durante décadas em tantos setores. E talvez muito profícuo, dada a aproximação das eleições municipais.

As gerações mais novas provavelmente não têm idéia do que foi a qualidade de vida na capital na primeira metade do século 20 - e do quanto se perdeu. O autor destas linhas, ainda menino, conheceu-a em 1942, trazido do interior, e se maravilhou com a cidade de pouco mais de 1 milhão de habitantes, arborizada e florida, raros automóveis (quase só táxis), bondes e ônibus confortáveis, limpos e pontuais, nenhuma favela, sistemas de educação e saúde apontados como exemplos para o mundo.

As altas taxas de natalidade da época, aliadas à forte migração, mudaram radicalmente o quadro. Os fortes fluxos migratórios da Europa, do Oriente Médio e do Japão produziram um rápido avanço tecnológico - dado o acervo de informação trazido e acumulado - e determinaram um salto industrial, que multiplicou postos de trabalho e renda.

As disparidades internas de renda e de infra-estruturas de educação e saúde geraram, então, forte migração interna, principalmente do Nordeste e do Centro-Oeste. No início da década de 50, quando este escriba também migrou para cá, em busca de ensino superior, a população paulistana já ultrapassava 2 milhões de pessoas. Surgiam as primeiras ocupações ilegais nas periferias, começava a mudar o clima da que fora até então a cidade da garoa.

A população na capital e no Estado dava saltos. Neste, passava de 29,03 habitantes por quilômetro quadrado em 1940 para 51,29 em 1960, para 102,25 em 1980, para 148,7 em 2000.

E o processo de urbanização ocorria em todo o território paulista: em 1940, a população urbana era de 3,16 milhões, ante 4,01 milhões na zona rural; em 2000, 34,59 milhões nas áreas urbanas e 2,43 milhões nas rurais, com a cidade de São Paulo passando de 10 milhões de pessoas, a da Grande São Paulo caminhando para 20 milhões em 2015, segundo os demógrafos da ONU. Sem que se implantassem políticas adequadas de expansão urbana.

O panorama, hoje, é muito grave. Quase 1,5 milhão de desempregados na região metropolitana, a população em mais de 1.500 favelas (400 mil famílias) se aproximando de 2 milhões de pessoas (aumentou 38% em quatro anos), das quais 1,2 milhão vivendo em ocupações ilegais em áreas de
proteção de mananciais, principalmente Billings e Guarapiranga.

A taxa de homicídios, embora em queda, ainda é muito alta e ameaça principalmente jovens na faixa de 18 a 24 anos (as maiores vítimas de homicídios). A cidade e o Estado perdem progressivamente sua participação no produto bruto nacional e na geração de renda tributária.

As infra-estruturas de educação e saúde se precarizaram na capital, as taxas de analfabetismo funcional incluem quase 75% dos que chegam ao mercado. Na área de saneamento, só são tratados em São Paulo menos de 65% dos esgotos coletados e 6% da população paulistana não dispõe de
ligação à rede.

Mais de 20% da água que sai das estações de tratamento se perde na rede distribuição. A cidade produz entre 12 mil e 14 mil toneladas de lixo domiciliar e comercial por dia (fora 17 mil toneladas de resíduos de construções) e já não tem onde colocá-lo, embora gaste com ele uma das parcelas mais altas do orçamento municipal.

O trânsito paralisante foi comentado neste espaço na semana passada. Lembra Adriano Murgel Branco que no mesmo espaço de tempo em que São Paulo só construiu umas poucas dezenas de quilômetros de metrô - evidentemente, o caminho e a solução mais adequados - a cidade do México instalou quatro vezes mais.

Agora, com as políticas de estímulo ao transporte individual, aliadas à legislação e fiscalização deficientes, chega-se a uma situação de perplexidade e temor.

Em muitos momentos, a cidade parece próxima da ingovernabilidade, com surtos de desobediência coletiva nas áreas dos transportes, do comércio ilegal e até da criminalidade, que aos poucos vai criando territórios próprios e se dá ao desplante de desafiar as autoridades. Por isso mesmo, parcelas cada vez maiores da população tendem a isolar-se em condomínios e áreas fechadas, na tentativa de se protegerem.

Os que não têm essa suposta válvula de escape se confinam cada vez mais em seus pequenos refúgios domésticos - convivendo na TV com o noticiário da violência.

São Paulo e os paulistanos merecem muito mais. Mas - é preciso repetir e repetir - não o terão se continuarem na passividade política. A sociedade - é preciso insistir - terá de se organizar, discutir, definir prioridades, exigir dos candidatos a postos eletivos que assumam suas plataformas.

Não tem cabimento - como aconteceu há poucos anos - assistir passivamente a que num plano de descentralização administrativa oferecido pela Universidade de São Paulo fosse aprovada pelos legisladores apenas a criação de subprefeituras e respectivos cargos, mas eliminando a criação de conselhos distritais em que representantes da sociedade decidiriam sobre as prioridades, a aplicação do orçamento e a fiscalizassem.

Mas a sociedade também precisará aceitar sua participação nos ônus. Que sentido faz aplaudir a extinção da taxa para coleta e destinação do lixo e ver agravar-se a dramática situação no setor? E esse é apenas um de muitos exemplos possíveis.

Só cegos não vêem que o sistema político-eleitoral no País terá de passar por mudanças profundas. São Paulo poderia começar a dar exemplo, neste aniversário.

Seria um belo presente poder vê-la de novo com olhos de menino.

(O Estado de SP, 25/1 e Jornal da Ciência jcemail@jornaldaciencia.org.br)

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